sexta-feira, 26 de outubro de 2012


Adiamento
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de Domingo divertia-se toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de Domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital…
Mas por um edital de amanhã…
Hoje quero dormir, redigirei amanhã…
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é o que está bem o espetáculo…
Antes, não…
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanha serei finalmente o que hoje não posso nunca
Só depois de amanhã…
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã…
Sim, talvez só depois de amanhã..
O porvir…
Sim, o porvir..
(Fernando Pessoa)

sábado, 19 de novembro de 2011

Capítulo 22 - Lavoura Arcaica, Raduan Nassar

“...e quanto mais engrossam a casca, mais se torturam com o peso da carapaça, pensam que estão em segurança mas se consomem de medo, escondem-se dos outros sem saber que atrofiam os próprios olhos, fazem-se prisioneiros de si mesmos e nem sequer suspeitam, trazem na mão a chave mas se esquecem que ela abre, e, obsessivos, afligem-se com seus problemas pessoais sem chegar à cura, pois recusam o remédio; a sabedoria está precisamente em não se fechar nesse mundo menor: humilde, o homem abandona sua individualidade para fazer parte de uma unidade maior, que é de onde retira sua grandeza; só através da família é que cada um em casa há de aumentar sua existência, é se entregando a ela que cada um em casa há de sossegar os próprios problemas, é preservando sua união que cada um em casa há de fruir as mais sublimes recompensas; nossa lei não é retrair mas ir ao encontro, não é separar mas reunir, onde estiver um há de estar o irmão também...” (Da mesa dos sermões.)

domingo, 30 de janeiro de 2011

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

À Clarice e a 30 seconds To Mars

Ouvir 30 seconds to Mars ao mesmo tempo em que leio Clarice Lispector não é - ou talvez seja- uma mistura interessante.
 A angústia, que vem vindo de fininho há dias, explodiu.  Agora me encontro com um estômago imprensado, uma falta de ar e o choro entalado na garganta.
Digamos que muita, mas muita coisa mesmo aconteceu neste fim de período/ começo de férias.
Deparei-me com ações e sentimentos que não acreditava que existiam nem nos filmes que tentavam transmiti-los.
No entanto, também me deparei com ações e sentimentos que me fizeram ter orgulho de quem eu venho me tornando e, além disso, deparei-me com semelhantes: não estou só.
Deparei-me com problemas. Dos grandes. Eles me fizeram bastante tristes. Fizeram-me sentir relapsa, ausente quando não poderia estar e impotente.
Egoísta, com certeza.
Deixei que o tempo fizesse seu trabalho. Eu fiz o meu. As coisas começam a andar nos seus eixos novamente. Assim espero.
A ansiedade que toma conta de mim no fim de ano não veio esse ano. Espero que minha vontade de chorar não esteja relacionada a isso. É estranho dizer, mas nesse momento, eu afirmo que nenhum de nós somos um, somente. Somos dezenas. Dezenas que talvez tenham a mesma essência. Talvez não. Mas algo os une. A interseção deles deve ser o que chamamos de 'estar vivo'.
No momento, alguém de quem eu gosto está no controle: realista e triste na medida exata. A felicidade é sim momentânea. Mesmo que estes momentos sejam constantes. Mesmo que eles apareçam a cada hora do dia. Todo dia, toda hora, todo minuto.
As expectativas ainda não retornaram. A necessidade toma o lugar delas e executa a tarefa de sonhar.
"Took our chance
 Crashed and burned
 No We'll never ever learn
 I fell apart
 But got back up again
 an then I fell apart
 But got back up again."
(Alibi-30 seconds To Mars)

"Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim." (Clarice Lispector - Felicidade Clandestina)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A vida assim no afeiçoa (Manuel Bandeira)

Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora, apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - Vem!

Quer para a bem-aventurança
Leves de um mundo espiritual
A minha essência, onde a esperança
Pôs o seu hálito vital;

Quer no mistério que te esconde,
Tu sejas, tão somente, o fim:
- Olvido, impertubável, onde
"Não restará nada de mim!"

Mas horas há que marcam fundo...
Feitas, em cada um de nós,
De eternidades de segundo,
Cuja saudade extingue a voz.

Ao nosso ouvido, embaladora,
A ama de todos os mortais,
A esperança prometedora,
Segreda coisas irreais.

E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pontos de Interseção

 

   O que ela enxerga do alto é uma linha reta. Subitamente, no entanto, ela se vê na linha. A perspectiva dentro-fora se altera constantemente, sem um padrão seguido, sem a submissão a uma vontade.

   O olhar percorre a tal linha e percebe os pontos de interseção. Eles são múltiplos e também não seguem uma lógica, aparentemente.

  Na maioria das vezes, apesar de ver as interseções, ela não compreende o sentido delas de imediato.

  Alguns pontos ela ignora, já que as circunstâncias externas atrapalham a sensibilidade de percepção. Lamenta-se por isso, porque a essência foi perdida; logo, não se incorporou à caminhada, ainda que concretamente presentes.

   Há alguns pontos de encontro que são extremamente  peculiares: marcam pela intensidade do contato, pelas trocas que deles decorrem. Não são só trocas materiais; são fluxos de energia através dos quais se é possível captar, sentir, vibrar além e para além de tudo que se percebe comumente...

   Rapidamente, o instante  se esvai. Já que só um ponto, não faz sentido querer prolongá-lo, querer dimensioná-lo ou querer aprisioná-lo. No entanto, mesmo sendo o instante, ele existiu e constituiu a reta e constituiu planos.

  Daí, quem sabe, também horizontes e nortes.

domingo, 24 de outubro de 2010

Desde já





 Introspecção é uma característica que eu não queria que fizesse parte de mim. Obviamente, a capacidade de autoavaliação é imprescindível para o próprio crescimento.
 No entanto, a intensidade da minha introspecção é preocupante. E irresolúveis são os problemas que dela surgem. Irresolúveis porque muitas vezes são criações de uma mente desesperada. De uma mente que ainda não entendeu- será que irá algum dia? - o sentido de estar vivo. Problemas, que na verdade não existem, tomam proporções desastrosas e são capazes de me fazer querer sair andando sem rumo por esse mundo desconhecido.
 Sem volta.
 Sem lembrar o que me prende aqui. Sem lembrar o MOTIVO CONCRETO, PAUPÁVEL E IMEDIATO. Único que sou capaz de mensurar. Único conhecido e mesmo assim insuficiente?

 Se insuficiente, ingratidão. Ingratidão.

 Decidi não ser ingrata: desde já não penso mais.


Escutando: Ball and Chain - Janis Joplin